sexta-feira, 28 de março de 2008

Desnaturalizando nossos valores.

Em maio de 2006 viajei à Cuba e conheci um pouco das peculiaridades daquela ilha. Uma das muitas coisas que me chamou atenção foi a questão que contradiz a livre iniciativa comercial, uma questão bem polêmica entre os cubanos. Para abrir qualquer estabelecimento comercial sua proposta deve antes passar por uma burocracia estatal onde é analisada a necessidade de tal estabelecimento junto à comunidade, entre outros assuntos políticos e econômicos. Ou seja, para conseguir autorização para desempanhar alguma atividade econômica como autônomo você precisa de uma licença dada pelo Estado, que muitas vezes veta a proposta. Pensando nisso eu tive certa indagação: “Pô, mas e se meu sonho fosse ter um restaurante de comida tailandesa, por exemplo? Mesmo sem ser essencial pros outros é o meu sonho, e eu tenho direito de realizá-lo!”. No meu pensamento prevaleceu o individual ao coletivo, não vou entrar numa discussão política sobre esses assuntos, mas foi a partir daí que eu comecei a ter uma reflexão sobre o que é certo e o que é errado, e sobre a construção de valores das pessoas.

Essa idéia de sonho e de direitos é relativamente nova na história da humanidade, assim como a livre iniciativa, o individualismo e muitos outros conceitos naturalizados nos dias de hoje. Pra entender a formação desses valores é preciso viajar no tempo e ver as diversas transformações pelo que o pensamento humano já passou. Foi só a partir de uns três séculos para cá que o pensamento moderno veio se formando no mundo ocidental, o que é um processo muito recente em termos de História. Foi na Idade Moderna que o nosso modo de vida foi criado e consolidado, dou ênfase no termo “criado” pois muita gente tem a impressão que toda essa ideologia de hoje é uma coisa inata à natureza humana, que a nossa mentalidade sempre foi a mesma. Mas isso está longe de ser verdade, a mentalidade do homem já foi muito diferente.

As constituições nacionais e os direitos que estamos tão acostumados, por exemplo, eram totalmente diferentes na Idade Média. Todas as regras partiam da religião, era a Igreja que ditava as leis e os valores a serem seguidos. Mobilidade social e liberdade de escolha eram algumas das coisas que simplesmente não passavam pela cabeça das pessoas naquela época (de modo generalizado, claro). A monarquia era amplamente aceita, as pessoas realmente acreditavam que o rei era um enviado de Deus para governar, além de outras crenças. Só com o enfraquecimento da igreja que outras instituições ascenderam como os “criadores da verdade”. Foi aí que entrou em cena a ciência, a utilização da razão em contradição aos dogmas da Igreja. E, posteriormente, com a explosão da revolução industrial, todos os valores da humanidade foram radicalmente transformados. Podemos dizer que nesse momento a burguesia se tornou a classe dominante e conseqüentemente tomou esse lugar de poder que antes já tinha pertencido à Igreja. A Idade Moderna era oficialmente inaugurada.
É bom lembrar também que nem sempre o passar do tempo é visto como uma evolução linear. Por exemplo, muita gente considera a queda do Império Romano como um retrocesso para a humanidade, pois consideram a Idade Média atrasada em relação a alguns aspectos da História Antiga.

O que eu quis mostrar com essa rápida passagem histórica foi: como as leis, a moral, a ética e todos nossos conceitos são criados e transformados a partir de um contexto, e não são da natureza humana. A liberdade econômica, a liberdade de escolher com quem vai se casar, de escolher a profissão que vai seguir, esses não são valores inatos ao ser humano, são valores construídos. Não estou aqui pra julgar qual visão de mundo é melhor ou pior, só estou querendo mostrar a importância de desnaturalizar as ideologias vigentes. Ou seja, toda a mentalidade humana é mutável, o pensamento das pessoas funciona de acordo com o contexto vivido, se o contexto muda os pensamentos também mudarão.

Voltando ao meu caso em Cuba: Eu pensei como a maioria das pessoas ocidentais do século XX, meu comentário foi totalmente viável e aceitável na sociedade onde a gente vive, o que eu não percebí é que podem existir outras verdades além daquelas que nós estamos acostumados. Essas idéias são consolidadas e amplamente aceitas nos dias de hoje, mas isso não quer dizer que seja a única maneira a se seguir. Não é bom tomarmos o estilo de vida ocidental como o mais correto e perfeito, cada diferente sociedade tem seus valores e crenças em seus devidos momentos. Por isso que é tão difícil aceitar o diferente e o novo, nós tendemos a tomar nossa verdade como universal e única.

Talvez com algumas mudanças o nosso pensamento possa ser reformulado, e possamos passar a crer em coisas que antes eram impossíveis de se acreditar. Seria essencial um esforço para desnaturalizar nossos valores e nossas crenças, pois só assim conseguiremos entender melhor o complicado mundo que a gente vive.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Meu otimismo sobre a nova era da Comunicação.

As linguagens e sua relação com as mídias passam basicamente por quatro grandes eras. Primeiramente foi a da oralidade, onde a comunicação era mediada pela expressão corporal, as informações eram transmitidas através da palavra falada. Em seguida a essa palavra falada surgiu a palavra escrita e posteriormente os avanços em termos de prensa gráfica; muitos dizem que a prensa gráfica de Gutemberg (por volta do ano de 1450) foi a invenção mais importante do milênio, pois através da maior circulação dessa palavra escrita muito do contexto mundial foi mudado. Essa linguagem impressa foi um dos fatores que contribuíram para o mundo ocidental entrar na idade moderna.
Diferente da oralidade, os impressos têm um alcance de circulação otimizado e de certa maneira mais impactante. Enquanto pela oralidade as informações passavam pelo boa-à-boca, com os impressos a proliferação de idéias ganhava mais objetividade e potencialidade. Durante séculos a sociedade esteve submetida a um processo comunicacional calcado na palavra escrita. Um modo simplificado de enxergar como a cultura impressa tem maior capacidade de impacto é analisando a distribuição de religiões pelo globo. As religiões ditas universais (como o islamismo, cristianismo e judaísmo, por exemplo) se baseiam e dependem de textos, enquanto algumas religiões mais locais (como indígenas e tribais) mantêm suas tradições no âmbito oral.

Depois de muito tempo com a palavra sendo o ponto central da linguagem, uma revolução é iniciada. Trata-se do avanço da imagem. De uns duzentos anos pra cá a fotografia, depois o cinema e depois a televisão vieram dando novos parâmetros à comunicação social. A imagem eletrônica tirou a hegemonia da cultura escrita e criou essa nova era imagética, a imagem se tornou componente indispensável na vida das pessoas. O poder de fotos e de filmes talvez seja tão sedutor devido à necessidade de uma representação, de um “prova” daquilo que é o assunto tratado. As imagens sempre foram atreladas a uma idéia de realidade. “Uma imagem fala mais do que mil palavras”.

Nos dias de hoje nós estamos entrando na quarta era, que seria a era da multimídia. Esse paradoxo palavra/imagem vem sendo remodelado com a ascensão das linguagens digitais. Esse processo ainda está acontecendo e nós o vivemos “ao vivo”, é um fenômeno muito recente mas que já gera conseqüências visíveis. Conseqüências que a meu ver podem ser benéficas ao processo da comunicação social e é sobre isso que vou discutir aqui, especialmente a partir da ascensão da internet e do ciberespaço.

As mídias mais clássicas se baseiam num sistema de broadcasting, que seria um sistema tradicional de comunicação onde um emissor transmite para diversos receptores, o que normalmente tende mais à passividade de tais receptores. Muito foi estudado e viram que as pessoas não são tão passivas quanto se parece, apesar de espectadores o público consegue de certa forma “digerir” a mensagem transmitida conforme suas experiências, formação, vivências, etc (senso crítico). Mas é inegável a diferença entre os recursos que as mídias clássicas e as mídias digitais oferecem para aumentar a interatividade e capacidade de resposta desse público, que nem podemos mais chamar apenas de receptores. O poder de resposta que o público tem em relação à televisão ou ao rádio é bem inferior ao poder de resposta que você vai ter ao ler o meu Blog por exemplo.

Focalizando no advento da internet nós enxergamos quão mudada está essa relação emissor/receptor. As transmições já não acontecem exclusivamente num sentido único, cada nó dentro da rede do ciberespaço pode ser tanto transmissor como captador. Não vou ser ingênuo e dizer que agora acabou o monopólio da informação e que a plena democratização dos meios de comunicação está concluída, longe disso, mas o fato da estrutura existir já é um grande avanço nesse aspecto. O acesso ao ciberespaço e a “alfabetização digital” ainda têm grandes caminhos a serem percorridos, paralelamente com isso ainda existe uma imensa desigualdade em relação aos grandes “proprietários da informação” e aos menores, mas volto a dizer, a estrutura dessa rede já existe e o que falta são mudanças conjunturais, sócio-econômicas, etc. A estrutura do ciberespaço tende a uma maior universalização e menor totalização, ou seja, uma maior potencialidade à circulação e alcance e uma menor capacidade de controle e estagnação de informações.

Além da interatividade, a capacidade de se tornar emissor de idéias é muito mais concreta no sistema digital do que no broadcasting. É uma questão óbvia, dificilmente qualquer pessoa consegue lugar de fala numa mídia mais clássica, enquanto que no ciberespaço é muito mais fácil de conseguir (porém isso não implica que essa voz será ouvida por muitos). Normalmente as informações que não são viáveis na grande mídia podem ser viáveis dentro da rede digital. Um exemplo famoso e pioneiro na exploração desse novo espaço é o movimento do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que se trata de um grupo revolucionário baseado no estado de Chiapas, México. Utilizando de tecnologias modernas o EZLN ganhou projeção e apoio mundial, foi um movimento pós guerra-fria que se diferenciou de outros grupos militantes pelas suas teorias e práxis. Obviamente a grande mídia mexicana e mundial não demonstrou interesse em ceder lugar de voz aos guerrilheiros e uma das novidades que o EZLN implementou na sua luta foi a intensa utilização da internet como instrumento de mobilização social. Em suma, muitos ideais de contra-cultura não são viáveis na grande mídia por questões ideológicas dos proprietários desse sistema, então a mídia digital seria um dos recursos a disposição desses ideais.

Isso nos mostra a potencialidade que a rede digital tem em termos de verdadeira democracia na comunicação social. Na minha opinião a situação está longe de padrões utópicos, mas é um espaço muito novo (pouco mais de 10 anos) e que já apresenta suas especificidades e diferenças em relação aos sistemas mais tradicionais que estamos acostumados. Será que tamanho otimismo é exagero ?