terça-feira, 6 de abril de 2010

Por horas, pensei que eu fosse o último ser humano da Terra.



Na manhã cinzenta, o telefone tocou. Antes de atender, notei que o ventilador e a luz de standby estavam desligados. Sinal de que o apartamento estava sem energia.
“Meu filho, não sai de casa não. Tá tudo alagado. Nem ônibus passa! Liga pro seu chefe e explica.”
“Sério, mãe? Então deixa eu ligar logo, porque a bateria do celular tá acabando e não vai ter como carregar. Tchau!”

Lembrei que não tinha saldo suficiente para uma ligação e resolvi enviar uma mensagem de texto. Sem muita demora, o chefe respondeu.
“Fique em casa. A orientação de hoje é para ficar em casa.”

Até aí não estranhei toda aquela situação, pois, no dia anterior, a chuva torrencial e o mau planejamento urbano já tinham começado a transformar as ruas em rios. Pensei que algumas avenidas estariam alagadas e isso tinha deixado o trânsito impraticável pela manhã. Pra ser sincero, senti satisfação em poder dormir até mais tarde.

Dormi até sentir dor nas costas de tanto ficar deitado. A barriga roncou e decidi levantar pra comer qualquer coisa. Foi aí que começou o tormento.

O céu estava muito escuro. Obviamente não era noite. Mas que horas eram? Como já tinha previsto, o celular descarregara e não havia energia na tomada pra recarregá-lo. Também não havia nenhum relógio ou outro aparelho que indique o horário. Fiquei inquieto. Será que dormi muito? Será que dormi pouco? Não sabia mesmo. Deixei essas indagações de lado e fui preparar um lanche. Comi sem pressa, em pleno dia de semana.

Depois de comer, fui até a janela olhar o mundo molhado lá fora. Chovia uma chuva constante e a rua estava completamente deserta. Não estava alagada não, vazia em todos os sentidos. Foi estranho ver a rua deserta - pela manhã, a rua sempre ficava cheia de carros e de gente. Mas era manhã? Voltou a angustia de querer saber as horas. Tentei interfonar pro porteiro, mas o interfone não dava linha – descer nove andares de escada no completo breu também não era boa idéia. Voltei pra janela e o mundo lá fora continuava parado. Os prédios da frente estavam sem luz e sem sinal de vida. Não tinha nada pra fazer. Fui passar o tempo lendo. E li três capítulos sem parar – normalmente só leio um.

Durante a leitura, o céu começou a escurecer ainda mais. Não é possível... Mal acordei e já é noite? Ou será que perdi as horas lendo sobre Fabiano e sinhá Vitória? Que dia mais maluco! Debrucei na janela e continuava aquela calmaria desesperadora. Que horas devem ser? Será que minha mãe estava na rua quando ligou? Clarinha foi pra escola? O pessoal do prédio da frente foi trabalhar? Por que não passa nenhum carro? O que tá acontecendo lá fora? Será que sou o último ser humano da Terra? Eram muitas perguntas e nenhuma resposta.

Eu estava ilhado e alienado de tudo. Não tinha rádio pra saber as notícias da última hora, nem telefone pra saber notícias da família. Puxei uma cadeira, sentei de frente pra janela e fiquei olhando lá pra baixo por horas – talvez por minutos.

Num baque, a luz voltou. É gol! Todos os outros seres humanos da Terra gritando na janela. Parecia dia de clássico de futebol. Fiquei olhando e rindo. Corri, encaixei o celular no carregador e o carregador na tomada. Em poucos minutos me botei a par de tudo: minha mãe passou o dia em casa com meus irmãos e meu pai; a chuva já tinha matado quase 100; o asfalto estava submerso e os morros desmoronando; as pessoas não tinham ido trabalhar a pedido do governador; as aulas tinham sido canceladas; era oito da noite; eu não era o último ser humano da Terra...

Parei pra refletir, pensei em aquecimento global, pensei nas calotas polares, pensei no clima desregulado, pensei em 2012, pensei em reserva de mantimentos, pensei em saqueadores, pensei em zumbis, pensei em canibalismo, pensei em ter uma arma de fogo e cheguei à conclusão que preciso parar de ver tanto filme sobre o fim do mundo.